No Gólgota, de Emílio Nunes Correia de Meneses foi um jornalista e poeta parnasiano brasileiro, imortal da Academia Brasileira de Letras e mestre dos sonetos satíricos. Para Glauco Mattoso, o poeta paranaense é o principal poeta satírico brasileiro após Gregório de Mattos. (Wikipedia)
I
"-Para atenuar o horror desta vida sem tréguas,
Sondo-a e busco entendê-la, arcano por arcano.
Para que as más paixões te não sigam, carrego-as
Sobre os frágeis e vis ombros de humilde e humano.
As dores que este sofre e aquele sofre, rego-as
Só do meu pranto, só do meu sangue espartano." –
E assim falando o Poeta, a voz, léguas e léguas,
Por terra e céus se ouviu num clangor soberano.
Mas tudo emudeceu ante o voto supremo...
E nem um Cireneu ao novo Cristo: e a carga,
Ele a leva, a cantar, de um extremo a outro extremo!
E oh! Poeta! O mundo só te dá para tão larga,
Missão, diante da qual também arquejo e tremo,
A dor que mais te dói e o fel que mais te amarga.
II
Rugem-te em derredor os Fariseus e Escribas
E a alma humana moderna – essa nova Aquerusa
De pauis marginais e pestilentes ribas –
Busca, embalde, afogar-te a imorredoura Musa.
Grandiosa ou meiga ou pura, uma idéia que exibas
Irritas a multidão que raivosa te acusa.
Mas do Outeiro da Luz a que afinal arribas,
Hás de vê-la a teus pés deslumbradas e confusa.
Tu, cujo verso em forma e em colorido assume
Revelos de Cellini ou tintas de Correggio,
Quer eleves o amor, quer exaltes o ciúme,
Sofre e sangra por teu sonho de ideal. Inveje-o
Embora, o mundo vil! Todo o teu ser resume,
Na plenitude astral daquele sonho egrégio!...
III
Do sonho que te aclara o luminoso espectro,
Cor a cor, queres dar na cambiante da rima.
Lira d’oiro entre mãos, a desferi-la ao plectro,
Verso a verso vais ter do teu Gólgota acima.
Lapidário tenaz, no tórculo do metro
Premes a forma e a forma entre os teus versos prima;
Passo a passo eu te sigo e esse abysmo penetro,
A cujo centro, em fogo, o teu estro se anima.
Quer tenhas sobre ti bênçãos que o céu reparte,
Ou tenhas o que sofro, examino e contemplo,
- Venhas de tu um Paul ou de algum templo de arte, -
Deves sempre seguir o fatídico exemplo:
Para que o mundo vil possa um dia adorar-te
É preciso enxotar os vendilhões do Templo.
IV
Se além de um Sinedrim de inúmeros Caifazes
Cuja falsa noção, do sonho de seqüestra;
Se do lenho, apesar, que sobre os ombros trazes,
Nessa face divina Ahasvero espalma a destra;
Se não gozas em vida essas glórias falazes
Em cujo meio vil a alma dos vis se amestra,
Tens em compensação, dos teus versos audazes,
Vibrando eternamente, a formidanda orquestra.
Para te alvorecer a existência sombria,
Tiveste, no Jordão, da água lustra a cena
Cuja recordação na alma humana irradia,
E atingiste os dois graus de ventura terrena;
Sugaste ao nascimento o seio de Maria,
E do cimo da Cruz, vês o de Madalena!...
V
Que importa que Adriano em profanosa cena
Chegue ao Gólgota e insulte a tua catacumba?
Após ele terás a imperatriz Helena,
Quer triunfe o teu estro ou teu estro sucumba.
Se sofres do martírio as dores, pena a pena,
O clangor do teu verso entre glórias retumba.
- Que te importa sofrer se a tortura é pequena
Ante o peso com que teu verbo as almas chumba?
Seja o teu tribunal de cátedra ou de exédra;
Tenha o teu leito embora um cravo em cada fulcro,
Sabes que no porvir somente o gênio medra.
Certo, resplenderá teu espírito pulchro,
E, ao tombar sobre ti da tumba a horrenda pedra,
Todos irão beijar o teu Santo Sepulchro.
VI
Que vale teres tido, a iniqüidade humana,
Escribas, fariseus, Cartáfilos e Herodes?
Eles só podem ver pela Santa Semana
O quanto a alma dos bons pelo teu bom acordes.
Redres a cepa sempre, e sempre a rama podes
Dessa Vinha de Fé de onde o teu sangue emana,
E ela viverá nos psalmos e nas odes
Que te ouvem desferir à lyra soberana.
Catharma resplendente o teu martyrio esvurma
Luzes, sóis e não pus, quer o gênio apostrofes,
quer do gênio em teu leito um gênio amigo durma.
Hás de enfim ressurgir, sonhes ou filososfes,
E ante, dos guardas teus, a laucinada turma,
Escalarás o céu num resplendor de Estrofes!...
NO GÓLGOTA
I
"-Para atenuar o horror desta vida sem tréguas,
Sondo-a e busco entendê-la, arcano por arcano.
Para que as más paixões te não sigam, carrego-as
Sobre os frágeis e vis ombros de humilde e humano.
As dores que este sofre e aquele sofre, rego-as
Só do meu pranto, só do meu sangue espartano." –
E assim falando o Poeta, a voz, léguas e léguas,
Por terra e céus se ouviu num clangor soberano.
Mas tudo emudeceu ante o voto supremo...
E nem um Cireneu ao novo Cristo: e a carga,
Ele a leva, a cantar, de um extremo a outro extremo!
E oh! Poeta! O mundo só te dá para tão larga,
Missão, diante da qual também arquejo e tremo,
A dor que mais te dói e o fel que mais te amarga.
II
Rugem-te em derredor os Fariseus e Escribas
E a alma humana moderna – essa nova Aquerusa
De pauis marginais e pestilentes ribas –
Busca, embalde, afogar-te a imorredoura Musa.
Grandiosa ou meiga ou pura, uma idéia que exibas
Irritas a multidão que raivosa te acusa.
Mas do Outeiro da Luz a que afinal arribas,
Hás de vê-la a teus pés deslumbradas e confusa.
Tu, cujo verso em forma e em colorido assume
Revelos de Cellini ou tintas de Correggio,
Quer eleves o amor, quer exaltes o ciúme,
Sofre e sangra por teu sonho de ideal. Inveje-o
Embora, o mundo vil! Todo o teu ser resume,
Na plenitude astral daquele sonho egrégio!...
III
Do sonho que te aclara o luminoso espectro,
Cor a cor, queres dar na cambiante da rima.
Lira d’oiro entre mãos, a desferi-la ao plectro,
Verso a verso vais ter do teu Gólgota acima.
Lapidário tenaz, no tórculo do metro
Premes a forma e a forma entre os teus versos prima;
Passo a passo eu te sigo e esse abysmo penetro,
A cujo centro, em fogo, o teu estro se anima.
Quer tenhas sobre ti bênçãos que o céu reparte,
Ou tenhas o que sofro, examino e contemplo,
- Venhas de tu um Paul ou de algum templo de arte, -
Deves sempre seguir o fatídico exemplo:
Para que o mundo vil possa um dia adorar-te
É preciso enxotar os vendilhões do Templo.
IV
Se além de um Sinedrim de inúmeros Caifazes
Cuja falsa noção, do sonho de seqüestra;
Se do lenho, apesar, que sobre os ombros trazes,
Nessa face divina Ahasvero espalma a destra;
Se não gozas em vida essas glórias falazes
Em cujo meio vil a alma dos vis se amestra,
Tens em compensação, dos teus versos audazes,
Vibrando eternamente, a formidanda orquestra.
Para te alvorecer a existência sombria,
Tiveste, no Jordão, da água lustra a cena
Cuja recordação na alma humana irradia,
E atingiste os dois graus de ventura terrena;
Sugaste ao nascimento o seio de Maria,
E do cimo da Cruz, vês o de Madalena!...
V
Que importa que Adriano em profanosa cena
Chegue ao Gólgota e insulte a tua catacumba?
Após ele terás a imperatriz Helena,
Quer triunfe o teu estro ou teu estro sucumba.
Se sofres do martírio as dores, pena a pena,
O clangor do teu verso entre glórias retumba.
- Que te importa sofrer se a tortura é pequena
Ante o peso com que teu verbo as almas chumba?
Seja o teu tribunal de cátedra ou de exédra;
Tenha o teu leito embora um cravo em cada fulcro,
Sabes que no porvir somente o gênio medra.
Certo, resplenderá teu espírito pulchro,
E, ao tombar sobre ti da tumba a horrenda pedra,
Todos irão beijar o teu Santo Sepulchro.
VI
Que vale teres tido, a iniqüidade humana,
Escribas, fariseus, Cartáfilos e Herodes?
Eles só podem ver pela Santa Semana
O quanto a alma dos bons pelo teu bom acordes.
Redres a cepa sempre, e sempre a rama podes
Dessa Vinha de Fé de onde o teu sangue emana,
E ela viverá nos psalmos e nas odes
Que te ouvem desferir à lyra soberana.
Catharma resplendente o teu martyrio esvurma
Luzes, sóis e não pus, quer o gênio apostrofes,
quer do gênio em teu leito um gênio amigo durma.
Hás de enfim ressurgir, sonhes ou filososfes,
E ante, dos guardas teus, a laucinada turma,
Escalarás o céu num resplendor de Estrofes!...
Emílio de Meneses